O amor....
[O amor é bem mais do que tudo isso; antônio]
O amor parece ter nascido aqui nesse leito sereno para depois morrer
confuso, ali, no seu peito ausente. Talvez nada lhe falte e até sobre
verdade sobre a mesa do jantar que não jantamos ontem. Talvez até sobre
um recado no bolso do paletó, que diz que a paixão é um pequeno pecado
doido para ser perdoado. Eu perdoei loucamente todos os seus pecados: um
por um, dores por dores, sentimentos por sentimentos. Talvez ainda
reste um resto de eu te amo enrolado neste guardanapo que roubei do
balcão do meu bar predileto… Na gaiola invisível ainda ouço a liberdade
se prender ao canto do curió – meu pássaro favorito! Curiosos são
aqueles que querem a verdade, o que eu quero é ver, rever, berrar:
reverberar!
Ainda me lembro do dia em que dissemos: seremos
felizes até que a poesia nos repare. Primeiro, você riu, eu gargalhei e
nós casamos. Depois, eu li, você ouviu e, nus, transamos. Por fim, eu
lembrei, você se esqueceu e nós cansamos. Hoje, ainda que me falte você,
nunca me faltará poesia. Um poema é o próprio abandono descrito em
versos, diversas vezes. É o poeta em estado onírico implorando em rimas,
alexandrinos, decassílabos decadentes: “Volta para mim, palavra bonita.
Volta!”. Seu mundo sempre foi confuso, uma mistura moderna de Garcia
Márquez com qualquer pintura de Velásquez. Você só parece amar quem
pisoteia nos seus sonhos, quem tapa os seus sorrisos com lágrimas, quem
lhe abandona sem roupa, sem mundo, sem beijo. Veja só: As Meninas na
corte do rei parecem cortejar o seu coração. Corta a cena: seu azar foi
ter vivido Cem anos de Solidão em uma única relação. Talvez por isso
nada lhe emocione mais: nem o piano que toca algumas notas de jazz, nem o
coração em guerra que, no peito, hasteia uma bandeira de paz. Talvez
por isso nada lhe interesse mais: nem as cartas nem as caras de amor.
Todas elas são ridículas, já dizia o poeta, todas elas são partículas de
sentimento que não insiste mais… Contudo ainda me pego algumas vezes
tateando uma sombra incompreensível que fala e que fuma e que finge
estar viva. Só finge! Uma sombra precisa de luz para ser viva. Um amor
precisa de vida para reluzir. Eu preciso de ambos para existir.
Agora podemos ir, dobrar uma esquina qualquer, reconhecer que a vida
tem seus tropeços, seus problemas e seus soluços. E soluços nada mais
são do que palavras que morreram engasgadas na vontade de dizer. O tempo
dirá, o remorso roerá, o cigarro apagará e eu tenho a mais absoluta
certeza que outra beleza menos confusa e mais Clara amanhecerá no meu
mundo para me amar como eu não te amei.
E se você foi covarde,
tudo bem… Todo mundo tem suas fraquezas. Nem todo mundo aguenta ser
feliz. Eu também preciso de uma Trégua…
Fique com seus romances latinos;
Eu versifico com os meus poemas batidos:
O amor é bem mais do que isso… O amor é bem mais do que tudo isso.
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